sábado, 14 de agosto de 2010

Tanto mar, tanto mar - tanta diferença, meu Deus!

Este poderia ser mais uma parte do "Inclinações Musicais". Poderia, mas não acho muito justo. Não tou simplesmente indicando uma música, tou acrescendo informações e resultados de uma descoberta. Além disso, pretendo fazer o trabalho completo - coisa que não faço mais quando estou tratando do meu setor especificamente musical.

Tava eu, traquila, matando hora neste sábado, ouvindo música, e me chamou a atenção uma VERSÃO ORIGINAL de uma música do mestre Francisco Buarque de Hollanda - o velho Chico. Lá fui eu mexer... E fiquei tremendamente abismadíssima com a descoberta.

A canção em questão é "Tanto Mar". Música composta em 1975, mas colocada num disco 3 anos depois, junto de músicas clássicas de protesto como "Apesar de Você" e "Cálice". Perto das duas, claramente essa música chama a atenção pelo som diretamente lusitano e os constantes "pá" na letra - palavrinha típica da terrinha dos manoéis e joaquins além do Atlântico. Agora, analisando historicamente, poucos sabem que essa música faz referência à Revolução dos Cravos, acontecida por lá no ano de 1974. Pegando caroninha no Wikipédia (qualé? Sou historiadora, mas um pouco de ajuda não faz mal não!), Revolução dos Cravos foi um período da história de Portugal, despoletado por um golpe de Estado militar ocorrido a 25 de Abril de 1974 que depôs o regime ditatorial Estado Novo, vigente desde 1933 e iniciou um processo que viria a terminar com a implantação de um regime democrático com a entrada em vigor de uma nova Constituição a 25 de Abril de 1976 .

Eufórico - e com toda a razão - com a derrubada do governo Salazarista, Chico criou esta música.



Este vídeo, logo acima, é a primeira versão da música, que logicamente nem foi ouvida aqui - melhor dizendo, a primeira parte, que é a que aqui está. A versão é diretamente uma manifestação das emoções que cruzaram o peito do nosso compositor. É como se este estivesse falando cara a cara com os militares que lideraram a revolução, ou quem sabe, estivesse tendo uma conversa no bar, com um amigo português...
Enfim, era um manifesto de felicidade e um ode à democracia.

Sei que está em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim
Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor no teu jardim



Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, que é preciso, pá
Navegar, navegar
Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim


Vale dar aquela ressaltadinha: Enquanto ele comemora a liberdade recém conquistada dos nossos outrora colonizadores, Chico demostra também a dor, a tristeza e a melancolia da situação em que, nessa ocasião, nos encontramos, brasileiros humilhados pelas atrocidades da ditadura militar - na ocasião saindo do governo de Médici (o auge do AI-5), e entrando na fase Geisel (o da "lenta, gradual e segura" abertura política); mas com uma repressão ainda forte (destaquemos a Guerrilha do Araguaia, cujas operações finais datam entre 1973 e 1974, ou seja, bem perto). Então, dá pra notar qual é a função das "flores" na música, né? O cravo vira o sinônimo da liberdade, e o alecrim, da esperança.
Mais simples e direto assim, impossível!




A versão aqui de cima, é a versão oficial tupiniquim. Consideremos... Numa época em que a ditadura tava rolando à solta, pintando, bordando e ainda costurando a boca dos contestadores (né melhor dizer, matando mesmo?), Chico sabia que a música, em sua versão completa, seria considerada supersubversiva pelos amadíssimos censores.
Então, cortemos a primeira parte... E a versão 2 foi aceita. Não me pergunte como. Tá certo que a versão fica mais leve sem a parte diretíssima da coisa, mas as entrelinhas na letra são poderossíssimas.


Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
Ainda guardo renitente
Um velho cravo para mim

Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Nalgum canto de jardim


Alguém nota aquele certo detalhe da canção de protesto? Um certo traço comum às músicas? Pros que não estudam atentamente a música brasileira, destaco: além do lado denúncia, há aquele traço de esperança - o desejo pulsante de que, um dia, tudo será diferente. O cravo esquecido, a esperança guardada, em algum canto da alma dos brasileiros, plantado após o triunfo dos nossos irmãos lusitanos...

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, quanto é preciso, pá
Navegar, navegar

Canta primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente
Algum cheirinho de alecrim



Quantas léguas, meu Deus, separavam não somente Brasil de Portugal; mas a repressão da democracia!

Enfim, as duas versões juntas eu achei, mas nem foi na voz de CB, foi mesmo na de Fafá de Belém, que regravou, décadas depois, esta música. Sei que até injusto comparar as versões (té pq eu acho MUITO MAIS BONITA A DE CHICO, prontofalei#), mas como a de fafá FOI A ÚNICA que achei até agora com a versão toda... Então, pq não se ouvir? Tenho que aprender a ser imparcial, de vez em quando, né?



Entonce, pessoas...
Pra não dizer que não deixei de destacar isso, há também uma versão de 1975 da música... Claro que instrumental, que foi do show de Chico e Bethânia no Canecão/RJ. Mas, belíssima. A melodia dá uma sensação forte, imensa... Só ela já é alguma coisa, né verdade?



É isso ai!
Muita escrita, pesquisa e muito cansaço, mas enfim acabei por hoje.
A análise foi muito boa pra mim, pelo fato de escrever, de soltar, de analisar Chico...Tentei me esmerar. Tomara que cês achem que tá bom, okay?

=)
Inté!

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