terça-feira, 15 de janeiro de 2019

MINHA SÉRIE VAGALUME (7) - CORRIDA INFERNAL (Marcos Rey, 1990)



Já falei de Marcos Rey duas vezes, até a presente data: No livro "Doze Horas de Terror" e "Enigma na Televisão", respectivamente o primeiro e o quarto livro desta série. Eu tento, mas é impossível não se associar ao nome e à extensa obra por ele lançada na série Vaga-lume.
Então, vai ter muita coisa dele favoritada... Aviso.
Bom, mas para hoje, convido-os para uma corrida audaciosa. Do centro de São Paulo para as favelas próximas ao Marginal, literalmente uma corrida pela sobrevivência...

1ª capa do livro.


Duas histórias são contadas.
De um lado, a vida dura de Elaine, uma linda jovem suburbana que mora com a sua avó, Dona Selma, com dificuldades financeiras e vivendo uma relação de amor com Vítor, um jovem apaixonado e idealista.
Do outro, o roubo do valioso diamante Capitain Silver. Seus assaltantes - Bóris, Duque e Lena - planejam vender a joia a um receptador e dividir entre eles uma grande fortuna, ainda que nenhum confie integralmente no outro.
O que une as duas histórias? A boneca Maitê, descrita como "uma boneca loira, muito chique, exatamente do tipo que aparecia na tevê em todos os intervalos comerciais — “Peça sua Maitê ao papai”, — verdadeiro sucesso nas lojas naquele dezembro." (página 9)

O destino une Elaine e Lena, fazendo com que a boneca Maitê caísse nos braços da primeira. Perder uma boneca daquele nível, "disputada, sofisticada", pra qualquer garota seria uma questão de honra ter. Logo, não era anormal pensar que a moça voltaria e pegasse a boneca... Como aconteceu.
Mas, o que três bandidos perto de ficar ricos iriam se interessar por uma boneca? Porque o Capitain Silver está dentro dela, pronto falei.
Mas, por uma briga com o namorado, Elaine deu a boneca a Gabi, menina que estava naquele momento se mudando para a favela.
Por conta disso, eles (Elaine, Vítor e os bandidos) vão fazer uma "corrida" pela periferia de São Paulo. Cem mil dólares fariam a diferença para a vida de avó e neta; quinhentos mil seriam divididos entre os ladrões, onde cada um contava com a grana para sair da vida de crimes - valores insignificantes para quem estava acima deles, mas que poderia custar a própria vida.

O que é massa nesta história? Embora eu tenha dado um 'spoiler' (que não vai ser a coisa que vai ser descoberta logo), o que mais foca dentro da história é o recorte do cotidiano. Marcos Rey analisa muita coisa ao mesmo tempo dentro deste livro.
A vida de famílas pobres e seu cotidiano - Selma era uma viúva que recebia apenas uma pensão e se virava para continuar vivendo bem, a família de Gabi teve que se mudar para a favela a fim de conseguir sobreviver são os exemplos - bem realistas para quem sofreu com a inflação em alta no começo dos anos 1990.
 Também cruza com os bandidos juvenis, como o Zizo, que rouba a Maitê para arrumar dinheiro para ajudar em casa; com a relação conflituosa entre as primas Lena e Priscila, costureira pobre que tenta ainda mudar o pensamento da ladra...
Até mesmo o modo como a favela atinge os personagens, como quem mora lá se sente indefeso diante da violência, como em um trecho vivido por Zizo e sua mãe, após sofrerem um momento tenso com Bóris:

"— Deixou marcas no meu braço — constatou a mãe de Zizo.
— Imagine o que acontecerá àqueles dois quando encontrarem eles no orfanato.
— Nem quero pensar — disse ela.
— Acha que devemos avisar a polícia?
A mãe de Zizo pensou apenas alguns momentos. — Não, filho. A polícia também não gosta de nós. Estamos no meio dela e dos bandidos. Bem no meio..."

(página 85)

Outro aspecto importante está na boneca Maitê e pelo fascínio que ela provoca nas pessoas. Um valor ostensivo, como a Gabi sente; um produto para ser vendido e comer, como pensa a mãe de Zizo - a boneca, por si só, já atrai holofotes, pela técnica da propaganda voltada para o público infantil. Um exemplo é como ela é recebida no orfanato, a partir do diálogo entre a presidente e a vice.

"A vice-presidenta, entrando com o novo embrulho, estacou diante da montanha de doações. Naquele ano o número de presentes aumentara, apesar da crise. Dava gosto ver aquele mundo de pacotes! Apesar de tantas dificuldades para manter as órfãs, teriam uma bela festa de Natal.
A presidenta aproximou-se.
— A meninada só está falando da Maitê.
— O que é a propaganda! Temos outras até mais bonitas. 
— Mas elas só acreditam no que diz a televisão.
A vice começou a abrir um buraco na montanha.
— Deixo aqui?
— Mais no fundo ainda, Rute.
A vice aprofundou o buraco.
— A Maitê vai ficar na base da montanha.
— Ótimo. Aí está bem. Agora são todas Maitês."

(página 81)

Ou seja, o jogo se complica pelo próprio fascínio pela boneca, sem que ao menos se cogite uma recompensa (cem mil dólares, um bom dinheiro até hoje) por ela. Expõe o fascínio pelo consumo em uma sociedade cada vez mais miserável, mais degradada, mais suja.
Enfim, há motivos o suficiente para pegar este livro e fazer um agradável uso de duas horas com ele. ;)

Tem como ler agora? Para relembrar bem esta história, consegui sim achar este livro - aliás, esse acabou por virar requisito necessário desta seção, poder disponibilizar as obras - neste link. Aproveitem! 

E, terça que vem, voltamos com mais uma obra da série. Inté!

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