quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Por que viver (ainda) vale a pena

Petrolina, 2009 


(AVISO: Sim, é um texto muito, muito longo. Só leia se estiver com saco.
Adevertência: contém partes da minha vida... Num ângulo bem negro!)

Em meio à correria de fim de ano, e ao meu sumiço natural da Internet , uma notícia triste: uma tentativa de suicídio entre os meus scraps. Pega de surpresa, não consegui responder. Como alguém pode querer morrer no período onde, mesmo que o ano tenha sido terrível, a esperança por dias melhores sempre se renova? Sempre me lembro do cartunista que lacrou seu apartamento e morreu por asfixia com gás de cozinha, na noite do Ano-Novo  - ironia das ironias, a morte quando um novo ano tá em pleno nascimento em nossos corações.
Nesta semana, faço a minha espiadinha – ai, que esse vício linguístico by BBB pega! – nos blogs que costumo ler. E vejo o texto mais duro, as tintas mais carregadas, a fúria mais incontida, em um único post. Um recado mais-que-direto ao ser quase suicida.
Para ser sincera, e sabendo que o autor do post vai ler isso mesmo... Eu digo que tive muitos sentimentos. Um deles foi raiva. Como alguém que já sofreu e já cogitou esse caminho, pode ser capaz de ser cego às possíveis razões?
Outro, foi compreensão. O que eu poderia criticar, se o mote inicial do texto está numa fala minha, de quase um ano atrás? Curta e resumidamente, tudo o que ele colocou no post estava naquelas frases, ditas num celular, em um ônibus que levava um eu exausto do Recife Antigo à casa da minha avó, às cinco e pouca da manhã. O que me fez endurecer foi o cansaço do excesso, foi a constatação de que, se eu nada fizesse, a ameaça de morte seria cumprida. E coloque na lista o alto teor de vinho que ainda tava rolando em minhas veias.
Outro, e o que me levou a escrever, foi o desejo de soltar, aqui e agora, o meu entendimento no assunto. A idéia de morrer, tão mal do século e tão gótica, sempre esteve perto desse gênio esquisito que eu tive desde sempre. A continuidade do meu viver não foi por falta de sorte (ou de coragem, se bem que eu posso dizer que a covardia movida pelo meu lado cristão ajudou muito na hora de NÃO agir), mas por – de certa forma – conseguir perceber que coisas e/ou pessoas não devem ser influências principais quando se trata da vida. Ou pelo menos, de acabar com ela.
Escrevo aqui o que eu chamaria de “histórico macabro”, o meu passado e minhas impressões de querer morrer. E digo: por mais católica/evangélica que eu fosse, não era por Deus que eu vivia, mas por razões meio egoístas. Meus sentimentos religiosos são meio confusos em relação ao pecaminoso do ato de morrer; eu não morro por outros motivos, que serão ditos mais à frente – o que fizeram com que esta moça que vos digita ser o que se vê agora.



Em muitos momentos da minha curta vida (que ainda nem chegou a um quarto de século), eu pensei seriamente na possibilidade da morte. Achava eu, pobre ingênua, que a vida se solucionaria no momento em que meu último suspiro fosse dado, em que a minha pessoa “inútil e cansativa” sumisse das vistas de todos os que a cercavam – de uma forma definitiva.
Quando criança, a sensação de que era apenas mais uma. A predileção da minha família pelo meu irmão, a minha já evidente tendência para o melancólico e para o estilo gauche que ponteia a minha personalidade, e a minha incapacidade de ser como os meus pais queriam que eu fosse; tudo isso me fazia questionar-me sobre o meu papel no mundo, e me fazia, no final do dia, em meu quarto, após cada briga com minha família, chorar e pedir à Deus pela minha morte.
Um dia, tão tomada que estava pela certeza que a minha morte seria um alívio geral e imediato, cheguei a desenhar o meu túmulo; e, ao lado, minha família a comemorar. Mostrei isso a uma amiguinha, um ano mais nova do que eu... E ela se apavorou, queria porque queria mostrar aquilo à minha mãe. Brigamos, e, para solucionar tudo, ela simplesmente jogou fora o papel. Como se o simples ato me libertasse de todos os males da idéia em meu cérebro.
Mas, decepcionantemente para ela, nada some como um papel jogado no lixo. Principalmente quando o assunto é o que se passa por dentro de nós.
Adolescência, a idade em que tudo se transforma. Mas, durante o princípio dela, tudo mudou para pior. A menininha sozinha por natureza, se tornou isolada por medo e pela discriminação dos colegas de sala. Era a feia, a malvestida, a pobre, a “lésbica” (considerem isso numa época em que meu corpo e minha mente ainda não tinham chegado à puberdade, até os meus 14 anos). O que salvou-me de um possível dado nas estatísticas? O que eu faço muito, ainda. Escrever. Jogar a cara nos livros. Ter minhas ocasiões de mocinha religiosa. Exercitar meu lado contemplativo para a vida. E meio que me esconder do mundo, no mundo. Essas crises melhoraram quando eu fui para outro colégio; mas não sem muitas estranhezas iniciais. Já tinha adquirido a minha pátina de desconfiança em relação às pessoas, e uma primeira paixão ( não correspondida, logicamente, mas que perdurou por anos), somada depois pela historinha de uma relação platônica com um amigo – o que já definiu também que sofrer por amor seria uma cruz que eu teria que levar daqui pra frente – ainda me fizeram ter uns flertes loucos pela terra dos pés juntos.
E tentei. A única vez que cheguei a realmente levar à sério a idéia, foi quando pus naftalina na água que eu ia beber; o que mudou os planos? Meu irmão tomou a frente e bebeu a água primeiro, inadvertidamente. E para a nossa sorte (a dele e a minha, pois tinha ido pro meu quarto com uma faca jurando me matar se ele morresse), ele só teve uma gastrite. E uma noite na ermegência do outrora Semepe.
Apesar de tudo, os anos de Ensino Médio foram felizes. Criei amizades que levo até hoje, tenho histórias boas para contar. Até mesmo criei um romance e edições de “Big Brother”, perdido no tempo e nas arrumações anuais do quarto.  Passei dois anos da minha vida em uma imersão no universo evangélico, e comecei a mergulhar mais no universo musical, ligando a velha vitrola de casa. Como se pode ver, as partes minhas estavam, enfim, se encontrnado em mim. Como um retrato falado, à princípio: os olhos, a boca, o nariz; tudo se parece, mas isoladamente. É com um esforço maior que se faz com que essas partes montem a face real do homem. Levem isso à minha persona e entenderão o que eu quero dizer.
Veio o vestibular, e o fim de um sonho de um relacionamento sério com meu amor platônico acabou antes do primeiro semestre. A morte só não foi uma alternativa porque eu me fiz morrer pro que eu havia sido antes – tudo em mim, naquele momento, era o vestibular. Morrer, só se eu não passasse.
Veio os anos dentro da UFPE, e muitas mudanças. O primeiro beijo, o primeiro sarro, os primeiros porres, a primeira paixão que me jogou dentro de uma depressão quase insuportável, o primeiro namorado, o primeiro triângulo, a primeira vez, o primeiro tempo, o primeiro término,  a primeira paixão enfim correspondida e intensamente vivida, a primeira visão de um suicídio, não necessariamente tudo na mesma ordem... Tudo isso provocou altos e baixos em minha vida, me fez desejar, correr atrás, subir 13 andares e desistir na frente do muro,  levar uma gilete na bolsa e jogar nas águas do laguinho, e, numa crise mais tola e mais melodramática, marcar data e local para encenar o meu ato final.
E posso dizer, foi bem quase que isso não aconteceu.
Sabe o que foi irônico em tudo isso? No dia em que eu iria dar meu último suspiro, eu estava passando músicas românticas na Internet para uma pessoinha bastante especial para mim. E só me dei conta disso, depois que passei uma música com um tom mais alegre, mais positivo, mais... Vivo. É isso.
E, talvez, alguém estranhe-me: depois de tantas visões e desejos de morrer, como eu poderia agora, falar bem da vida? Este mesmo blog tem um bocado dessas reviravoltas – algumas que eu ainda não consegui superar, mas que não são mais motivos de morte, mas de mais vida. Sim, eu vivi. E muito bem, obrigada! Para uma eterna gauche, tive a chance única de ter acertado e errado, e não estou nada arrependida de nada. Fiz (e faço) aquilo que meu coração mandava (e ainda manda) e, como Desdêmona, sinto que só há certeza no que o coração nos fala. Posso quebrar a cara, mas eu ainda tento. E como tento! Que o digam os que ainda não compreendem essa minha sina de tentar, e errar; mas nunca desistir de tentar!
Eu não sei bem o que me prende à existência. O que me faz viver são as minhas palavras. As pessoas que me dão sinais tão claros e tão fortes de que eu sou alguém para elas. Os olhos das minhas sobrinhas. A esperança de sair de Pernambuco, e viver o meu sonho de viajante solitária. As lembranças e as histórias que quero contar a meus netos, futuramente. As imagens de locais bonitos que guardo nas retinas. As minhas paixões inanimadas. Este espaço que me ocupa o tempo, e também a mente inquieta de uma aspirante à designer. As músicas que eu ponho pra tocar quando escrevo. Tem muitas razões para eu continuar indo além do ato contínuo de respirar, e essas aí acima são só uma parte delas; as que importam agora. As que me movem hoje. Isso basta, por enquanto.
Por isso, não consigo ser dura, quando eu percebo que uma pessoa quer se arriscar à morte – pelas mesmas razões que um dia me moveram. A solidão, o abandono, a desilusão, a ausência. O que me dói é que, quando eu pensei nisso, eu estava errada. E ela? Também o está... Precisa lembrar das palavras que ela mesma me disse, que eu conseguia superar... Eu não sei superar, mas aprendi a ver a vida pelo segundo prisma: o da redenção.
O que a vida nos condena, ela mesma nos inocenta. Só basta que a gente mantenha “a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo”...
E, enfim...
Arrisco-me à acreditar piamente que a vida ainda não se rendeu à nós, a despeito de nós mesmos. Não é fácil viver, e eu sei disso! Mas buscar os caminhos mais fáceis para poder escapar, nunca foi a coisa mais sensata a se fazer.
E nunca o será.

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