quinta-feira, 3 de maio de 2012

O escritor é uma pessoa diferente?




"Somos todos escritores, só que alguns escrevem e outros não." 
(José Saramago)

Escritor... Esse nome, essa profissão sempre traz uma mística, um prejulgamento tão comum à nossa sociedade: a de que, para se viver de contar histórias, de se ganhar a vida escrevendo, é preciso ser diferente, é preciso não estar conectado ao mundo diretamente falando. É necessário que estes sejam elevados, tenham uma sensibilidade aguçada, tenham uma vida diferente das pessoas comuns que leem, que “viajam” na história que está diante dos seus olhos e da sua atenção, que pensam, em determinados momentos: “é preciso ser especial, para poder adquirir tal visão sobre esse tema!”.
Será mesmo um escritor tão diferente do resto do mundo que o cerca?
Primeiro vamos à questão de ser escritor.
Em análise crítica, poucos são aqueles que vivem só de escrever. Aluísio Azevedo, em um de seus ditos, comentou que, da sua escrita, poderia tirar o pão  -  mas apenas isso, sem a manteiga. Quantos escritores, de fato e direito, viveram apenas do ato de botar palavras no papel e divulgá-las ao mundo? Poderíamos colocar pessoas como Camilo Castelo Branco, ou Arthur Rimbaud, em sua juventude – mas o exemplo desses dois não dura muito: o escritor português, perto do final de sua vida, recebia uma pensão do governo; e o célebre poeta francês, após aposentar-se das letras, exerceu diversas profissões como soldado, capataz, mercador, entre outros. O que nos leva à conclusão de que, mesmo escrevendo, esses homens não eram tão alheios à  realidade como talvez até quisessem ser.
E o que é o ato de escrever? Apenas uma questão de sensibilidade, de visão? A frase de Saramago, no começo deste texto, resume todo o pensamento acerca desta questão: todos nós somos escritores... E isso não nos faz distintos daqueles que realmente escrevem.
Como seres humanos que somos, capazes de diversas ações em nossa vida, sabemos que, individualmente, temos atribuições que nem todos desfrutam. E estas moldam o nosso ser, não necessariamente nos isolando do resto da sociedade... Mas, talvez, acrescentando algo a ela; ampliando a visão do mundo, enfim.
 Seguindo a frase escolhida como tema, destaco a seguinte sentença: “só que alguns escrevem e outros não”. Sim, alguns têm a aptidão de colocar sua visão do mundo no papel de uma forma diferente das demais pessoas. Mas, alguns também têm a aptidão de salvar vidas; outros, de construir prédios; outros, de criar melodias, remédios, imagens; outros, de colocar o conhecimento ao alcance de cada pessoa – todos estes possuem uma função dentro deste mundo em que vivemos. E (ao menos na teoria), isso não nos faz diferentes uns dos outros! Temos os mesmos sentidos, as mesmas necessidades, o mesmo fim perante o ato de existir... Não somos tão diferentes assim, se analisarmos bem.
O escritor, se prestarmos mais atenção, também é um homem comum. Que têm família, contas a pagar, emoções, sentimentos, amigos, algum vício, alguma forma de alhear-se do mundo – e atire o primeiro livro aquele que não possui nada disso, quem ainda se põe a acreditar que um escritor é tão diferente assim...
Mas, ao mesmo tempo, o escritor é diferente – naquela distinção a qual nós, homens e mulheres, temos como característica: não somos iguais. E, essa diferença, destaco nas palavras de Manoel de Barros, em seu “Retrato Quase Apagado Em Que Se Pode Ver Perfeitamente Nada”:

"Não tenho bens de acontecimentos.
O que não sei fazer desconto nas palavras.
Entesouro frases. Por exemplo:
- Imagens são palavras que nos faltaram.
- Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.
- Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.
Ai frases de pensar!
Pensar é uma pedreira. Estou sendo.
Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo)
Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos.
Outras de palavras.
Poetas e tontos se compõem com palavras."

A mesma aptidão que faz com que nossa diferença seja a nossa semelhança, nos faz distintos uns aos outros. Parece uma conclusão um tanto estranha e confusa para esta questão?
E é.
Concluir que um escritor é igual e ao mesmo tempo diferente do resto das pessoas que o rodeiam, é simplesmente concluirmos o fato inequívoco de que o escritor é, assim como nós, pertencente à raça humana. Maravilhosamente igual e diferente.
A semelhança e a diferença dependerá apenas do olho que o vê.



(Texto criado para a cadeira de "Introdução aos Estudos Literários", em abril de 2012)

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