domingo, 23 de outubro de 2011

A Escolha.

Você tem uma escolha a fazer: quem você ama ou o que/quem você tem (e ama também). Qual desses dois, em um momento crucial, você escolheria? 




“E aconteceu depois destas coisas, que provou Deus a Abraão, e disse-lhe: Abraão! E ele disse: Eis-me aqui.
E disse: Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu te direi.”

Ela, Thaís Nascimento Cunha da Soledade, filha caçula de uma família de quatro pessoas (agora com mais três), havia cinco dias tinha enfrentado a pertubação mental da minha mãe. Desde muito tempo (e quem me conhece, presumo que saiba), tem o sonho de fazer um curso fora de Pernambuco. Fazer o ENEM, se arriscar. Qui sait?
Entretanto, com o seguir dos dias, ela começou a parar para pensar. Ali, quem mais perdera alguma coisa? Sim, perdera dias de trabalho, dias de sair com os amigos, coisas e coisas, para estar perto dela. Foi quando a dor no peito crescia, e surgiu a pergunta: ir ao ENEM ou ficar?
Durante a noite, uma crise. Não vou explicar como foi, nem como ocorreu. O medo foi imenso para ela e sua família. Nesse momento, uma tia disse que não ficaria mais com ela. E lá estava ela, sozinha. Com sua mãe.
Que escolha ela faria agora?

“Então se levantou Abraão pela manhã de madrugada, e albardou o seu jumento, e tomou consigo dois de seus moços e Isaque seu filho; e cortou lenha para o holocausto, e levantou-se, e foi ao lugar que Deus lhe dissera.
Ao terceiro dia levantou Abraão os seus olhos, e viu o lugar de longe.
E disse Abraão a seus moços: Ficai-vos aqui com o jumento, e eu e o moço iremos até ali; e havendo adorado, tornaremos a vós.
E tomou Abraão a lenha do holocausto, e pô-la sobre Isaque seu filho; e ele tomou o fogo e o cutelo na sua mão, e foram ambos juntos.”

No dia seguinte, mal dormira. Não pudera descansar. O pai precisava trabalhar, a tia sumiu logo que deu. Estavam isoladas de novo, mas agora na casa da tal tia.
A mãe estava em um estado semiconsciente, onde falava e falava quase como ela mesma – mas suas palavras eram dolorosas, pois só faziam criticá-la, minimizar sua dor tão evidente. As horas passavam e a certeza de que não daria mais tempo crescia. E a convicção de que fora abandonada com a mãe, que não lhe facilitava muito com as palavras mordazes.
Mas, por mais que levasse as pedradas, iria deixá-la só? E se ela tivesse uma crise mais forte e isso lhe custasse alguma coisa? Sabia que todos lhe poriam a culpa, e que isso a perseguiria. Por outro lado, sentia que lhe era adiado mais um ano... E que não lhe restava muita coisa para lutar. Há muito dissera que o seu sonho era a melhor coisa de si. Já não restavam muita coisa, acreditou naquela hora.
Foi quando tomou a decisão, ligou para o seu melhor amigo (acordando-o, inclusive) e lhe disse as fatídicas palavras:
“Desisti do ENEM”.

“Então falou Isaque a Abraão seu pai, e disse: Meu pai! E ele disse: Eis-me aqui, meu filho! E ele disse: Eis aqui o fogo e a lenha, mas onde está o cordeiro para o holocausto?
E disse Abraão: Deus proverá para si o cordeiro para o holocausto, meu filho. Assim caminharam ambos juntos.
E chegaram ao lugar que Deus lhe dissera, e edificou Abraão ali um altar e pôs em ordem a lenha, e amarrou a Isaque seu filho, e deitou-o sobre o altar em cima da lenha.
E estendeu Abraão a sua mão, e tomou o cutelo para imolar o seu filho...”

A decisão fora tomada. Ela decidira abrir mão da chance de realizar seu sonho em nome de cuidar da sua mãe. As chances demorariam, mas voltariam. E sua mãe?
Ligou para o seu ex e lhe contou. Por dentro, uma dor imensa, um vazio de ter deixado o seu último sonho escapar; mas a certeza de que sua mãe valia mais que isso. Queria voltar para sua casinha, se isolarem em seu mundo. Não era aquilo que sua mãe queria, e pedia naquele momento? Assim o faria.
Mas a dor que a perseguia imperou naquele momento. Ela sentou no sofá e chorou. Chorou tanto que atraiu a atenção da sua mãe, que mesmo em sua crise a olhou e disse as palavras:
“Eu não quero que acabe com a sua vida”
E a mãe lhe falava com palavras doces, ainda que seus olhos não brilhassem normal. A cada argumento, ela falava decidida – ia ficar, o tempo que fosse, até o fim. Aguentaria o gênio difícil da mãe, em seus momentos sãos, pelo tempo que fosse. As lágrimas já tinham marcado o vestido, as horas passavam. Dez, dez e meia. Os portões abriam às onze e fechavam às doze. Por mais perto que fosse, ela precisava tomar banho, pegar as canetas, os materiais. Não daria tempo... E ela não deixaria a mãe só, em nome de uma prova.
Como Abrãao sacrificaria seu filho pelo Pai Celestial, a mulher sacrificaria seu último sonho pela sua mãe.

Mas, eis que, num dado momento, uma outra tia bate a porta. Entra. Depois de um tanto ela diz: “Vá agora, você não quer tanto? Você falou tanto disso! Eu fico aqui, eu cuido de sua mãe, mas não desista!”
E como incentivo, a mãe tirou 20 rais da bolsa, o cartão de passagens e lhe deu. Pediu também que fosse comprar um bolo; era aniversário do pai.
Chorando muito, a garota a abraçou. Uma pergunta angustiante se impôs nos olhos da mãe: “Você vai voltar?”. “Sim, eu volto!”, repetira isso algumas vezes. Em seguida, abraçou a tia e saiu da casa correndo, uma nova luz em seus olhos. Ia lutar pelo seu sonho. Mesmo que não desse em nada, que não passasse, tentaria.
Chegara na prova meia hora antes dos portões fecharem.

“Mas o anjo do SENHOR lhe bradou desde os céus, e disse: Abraão, Abraão! E ele disse: Eis-me aqui.
Então disse: Não estendas a tua mão sobre o moço, e não lhe faças nada; porquanto agora sei que temes a Deus, e não me negaste o teu filho, o teu único filho.
Então levantou Abraão os seus olhos e olhou; e eis um carneiro detrás dele, travado pelos seus chifres, num mato; e foi Abraão, e tomou o carneiro, e ofereceu-o em holocausto, em lugar de seu filho.
E chamou Abraão o nome daquele lugar: O SENHOR PROVERA; donde se diz até ao dia de hoje: No monte do SENHOR se proverá.
Então o anjo do SENHOR bradou a Abraão pela segunda vez desde os céus.
E disse: Por mim mesmo jurei, diz o SENHOR: Porquanto fizeste esta ação, e não me negaste o teu filho, o teu único filho,
Que deveras te abençoarei, e grandissimamente multiplicarei a tua descendência como as estrelas dos céus, e como a areia que está na praia do mar; e a tua descendência possuirá a porta dos seus inimigos;
E em tua descendência serão benditas todas as nações da terra; porquanto obedeceste à minha voz.
Então Abraão tornou aos seus moços, e levantaram-se, e foram juntos para Berseba; e Abraão habitou em Berseba.”


Contar essa história - que me aconteceu ontem - é um sinal de que, de alguma forma, Deus está conosco. A conclusão de tudo é que fiz a prova (se não tava fácil, me fez rir em alguns momentos), minha mãe melhorou visivelmente, comprei o bolo e cantamos parabéns para painho. Quando ele chegou, teve até um abraço coletivo. Lutamos juntos.
Não posso dizer que tudo está definitivamente encerrado. Mas Deus é mais, e sei que, se continuarmos firmes, em breve a ameaça se dissipará de uma vez!
Eu creio!

Deixo essa música como renovação das certezas:



(Texto alternativo (marcado em vermelho): Gênesis 22, 1-19)

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