quarta-feira, 23 de outubro de 2019

O mundo e a selva.



Não é difícil perder-se no mundo.
Era como uma aldeia nova e vistosa que, aos poucos, quanto mais a gente adentra por ela, vai seguindo os barulhos animados ao redor, vai seguindo a melodia diferente, as cores vivas, a sensação de andar com os pés descalços na terra úmida e repleta de texturas - até a hora em que se encontra perdido de seu lar.

Um dia, eu quis me perder para saber quem eu realmente era.


Como eu falei, não era difícil. Eu só precisava me dar conta de que não era sendo "algo" de alguém que eu alcançaria meu caminho. Eu só precisava ter a consciência de que o passo da minha família não era o meu. Eu só precisava me lembrar de que, na história do filho pródigo, eu podia ter a arrogância, eu podia ter a vontade de me entregar, mas que não tinha nada a perder. Não tinha dinheiro, não tinha motivos para ter amizades interesseiras.
Eu estava indo para o mundo apenas com a roupa do corpo.

Ao longo da minha perdição, estive perto do perigo. Aliás, mentira - eu queria estar ali. Eu procurava uma estrela perdida no Céu, que para mim parecia a maior de todas, mas era apenas mais uma. Eu encontrava irmãos de caminhada, braços que me ampararam. Também senti a proximidade dos animais selvagens, coisa que dava medo, mas que dava também adrenalina. Eu fui aquilo que eu quis ser, por algum tempo.

Vocês perguntam se eu me encontrei? Sim, eu me achei. Me achei quando percebi que eu não precisava provar nada para ninguém, nem para mim mesma. Me achei quando o dia raiou e as estrelas sumiram de vez. Me achei quando as feras selvagens partiram e me mantiveram intacta, levando consigo apenas as ilusões.
Quando as pessoas perdem as ilusões, é quando elas estão diante de si mesmas. É quando elas se conhecem realmente - e conseguem entender a boa e velha sentença:

Concedei-nos Senhor, serenidade necessária, para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguirmos umas das outras.

Reinhold Niebuhr

Eu não saí do mundo, eu prossigo nele. O MEU mundo. Um mundo onde não posso criar ilusões, mas posso acreditar na esperança de dias melhores. Um mundo onde, quando o passado me atinge, ainda tem a serenidade da boa lembrança e não o desespero da necessidade de fuga.
Ainda sinto falta de correr contra o vento, com as feras selvagens.
Mas, eu tenho comigo algo maior.
A tranquilidade de andar com o meu passo.
De largar-me e de reerguer-me.
A cada dia.

Porque, além do meu mundo, ainda existe a selva de pedra, permeada de seres humanos, mais terríveis do que qualquer fera deste planeta.

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