CONTO: Um acerto de contas.

Tinha sido uma paixão louca. Avassaladora. Poderosa.
Tinha dominado os seus sonhos, tinha lhe feito chorar em canções melosas.
Tinha como única lembrança uma noite. Um beijo.
Tinha sido a emoção que dominara a ela durante meses a fio... Quase um ano da sua vida a suspirar, pensar, sofrer, a viver enamorada daquele homem de olhos tão misteriosos e tão claros.
Tinha sido um episódio...

... E todos os episódios, um dia, acabam.

Passaram-se anos.
E, um dia, depois de muitas conversas, alguns encontros desmarcados, tempos de expectativa, ela e sua antiga paixão desdenhosa se acharam um diante do outro.
Muito tempo, muitas marcas.

Ele engordara. Mas ainda possuía os olhos fascinantes que tanto a encantaram no tempo em que viver por e para ele era uma escolha tomada.
Ela mudara o cabelo, tinha as marcas sutis da idade. Mas, por dentro, ainda sentia um certo agito no peito ao encará-lo de tão perto, depois de anos.
Conversaram pouco. Não havia muito a ser dito, só falaram das pessoas em comum - que, assim como eles, haviam sido apartados pelo tempo. Um pouquinho dos tempos idos. De algumas lembranças boas, algumas lembranças que preferiam ter esquecido em algum canto da memória. E só.
O que mais havia a dizer? Muita coisa havia sido dita em conversas anteriores... Ambos sabiam muito bem porque estavam ali. Para onde iam. O tempo que iriam gastar; ou seja, a noite inteira.
Entraram no carro dele, e foram para um hotel.

Ali, as palavras morreram de vez.
As ações falaram por si, e eles se entregaram à elas.
Ela nunca soubera, mas ele guardara uma vontade carnal em relação à ela, ao longo de muito tempo, que finalmente estava sendo saciada. A consciência dos sentimentos dela o brecara anteriormente, mas agora a situação estava bem resolvida; poderiam aproveitar muito bem àquele momento, que quiçá nunca mais se repetisse.
Ele não percebera, mas naquela noite, uma parte nostálgica dela o amou profundamente, sinceramente. Apesar da consciência de que não havia mais nenhuma base para o que sentira outrora, que sua vida havia percorrido outro caminho, não lhe era difícil mergulhar na ilusão que o tempo não passara, que eles ainda eram os jovens que haviam se conhecido e se tornado amigos e confidentes em muitos momentos. Era aquilo que havia desejado naqueles tempos e agora se realizava; um pedacinho dela queria que a noite não acabasse.

Mas, o dia amanhecera e era hora de partirem.
Cada qual para a sua vida, para o seu caminho.
Com um olhar cúmplice, ambos saíram do quarto, pagaram a conta e se abraçaram como gesto de despedida.
Ele, antes de ligar o carro, pensou na noite que havia vivido. E, em seguida, na garota por quem, atualmente, estava apaixonado. Com esse pensamento na cabeça, partiu.
Ela, ao entrar no ônibus, pegou o celular que havia deixado no silencioso. Havia uma mensagem carinhosa do cara com quem estava saindo ultimamente. Ela respondeu com outro SMS e recostou-se no banco, aproveitando para recuperar com cochilos a noite em claro.

Sim, a vida continua. Mas, em qualquer momento da vida, o passado ainda pode te surpreender...
E te dar a chance de um acerto de contas com ele.