sábado, 11 de maio de 2019


Olha só, é textão mesmo, falo muito feito a minha mãe.
E eu só acho que ela merece mais do que muito tema que eu posto aqui.

Começo por esta foto aí. Da formatura.

Guardei esta foto, com a sensação que seria uma foto especial demais pra ser exposta rapidamente. E era. Não pela minha cara de choro que lembra o Rubinho Barrichello vencendo sua primeira corrida de Fórmula 1 (sem sambadinha, tá?), mas pelo momento. A foto foi tirada no exato momento em que a reitora declarou minha formatura. Eu chorava, um filme passando na mente dos últimos anos, e ela (aquela ali que estava nos meus braços), aquela que morena, ruiva e agora branquinha - mas sempre a mesma ferinha - ela, essa que Deus colocou como minha mãe - estava ali.

Contrariando uma tradição que ela mesma queria que eu tivesse feito, eu estar do lado do meu pai naquele momento. Tradição quebrada porque ela chegou atrasada no evento, foi logo pra minha escada (área restrita) e ele disse que ia trocar com ela. No fundo, creio que a gente sabia que ela merecia estar ali.

E ela mereceu. Muito. Espremeu de todos os cantos do seu salário para colocar eu e meu irmão em escolas boas (uma delas caríssima), enquanto ela estava do outro lado da educação, ensinando outros filhos. Um quadro negro e giz foram um dos presentes que ela me deu, em meio a criações (uma casa de ding-dong e de Balinha, roupinhas de Barbie que davam de dez a zero em qualquer roupinha atual, caderninhos feitos de restos de talão de cheques e livros com capas de livros que ela recortava dos catálogos das editoras, além de bandeiras que apareciam nos Jogos Internos da escola do meu irmão...) e mais esforços.

Minha mãe é casada, mas foi uma guerreira sozinha em muitos momentos. Trabalhava muito, mantinha a gente bem cuidado, cuidava da casa, além de trabalhar. A vi como educadora de apoio, numa sala (que vi por alto há dois anos atrás, em uma ESO), que trabalhava o dia todo e me levava com ela durante a tarde porque achou trabalho demais para minha avó, e como professora, nas poucas vezes que a vi exercendo seu lecionar (porque ver a elaboração, as correções, planejamentos de aula, leituras de livros a fins de transmir aos meninos e jovens, além das lembranças de festas mais lindas que eu já vi criadas por ela? Ah, mas isso eu vi muito) deve ter sonhado que a gente, depois de grandes, íamos dar menor trabalho... Achou? Pois achou errado, mãe.

Academicamente, dei muito trabalho e cuidados. Mas, não tinha como se preocupar, sabia que eu conseguia chegar até o fim, se eu quisesse. 
Ela viu meu primeiro vestibular. Foi comigo fazer a matrícula, eu era bastante boba. Ela viu as coisas mudarem rápido demais: a pestinha que só vivia dentro de casa vestiu as asas da liberdade da juventude. Liberdade entre aspas, mas ela viu a menina crescer rápido demais, virou avó (meu irmão, minhas sobrinhas) , viu muita coisa longe do seu controle...
E cansou. Ficou cansada devagar, devagar. A gente não notava que isso crescia, que isso cresceu por anos ali, nela, até que em 2011, algo nela se desprendeu da esperança.
Por mais que eu esteja poetizando, não preciso falar que lhe veio a depressão, luta pesada e cruel que marcou a gente por seis anos, cujas idas e voltas eram uma rotina atroz. 
Ainda assim, em meio a uma crise, ela quem me retirou de casa pedindo para eu fazer o Enem, pois faltava duas horas para fechar os portões e eu havia desistido porque não queria deixá-la sozinha. Diferente da UFPE, ela não foi comigo em nada sobre a matrícula em Letras, na UFRPE. Uma porque ela não podia; duas, porque a menina boba cresceu um pouco.

Nas idas e vindas, a gente prosseguia ali, na mesma casa, gênios opostos, entre o afeto e a discussão. Mas, posso garantir que, do jeito dela, ela me amparou muitos mais vezes no além-acadêmico que qualquer pessoa.

Último período, ela acompanhou até demais. Via meus últimos trabalhos, implicava demais com o tempo no computador, teve que me ver correndo de lá pra cá nas preocupações com o futuro, fim de ano na escola, recesso... E com ele, um TCC (ao menos, a primeira versão) que começou numa segunda, sob o silêncio dos livros da Biblioteca Central e acabou numa sala apertada, TV em som alto, duas sobrinhas entre o "eita, titia tá terminando o trabalho" e o "ei, vai acabar quando?" e ela, fazendo toda a comida que eu não podia fazer, dando toda a atenção às meninas que eu não podia dar. A comemoração da última letra da conclusão não foi pontuada por vinho, mas por "Fado Tropical", uma das canções que faz parte do que construí naquele momento. Do compositor que foi o único que eu descobri, quase que inteiramente, por ela.

No fim, ela estava. Chegando no meio pro fim do meu TCC, chegando no meio pro fim da formatura. No meio pro fim na prática - na teoria, ela sempre esteve ali.
Na essência, no imutável de Parmênides em meio a uma existência de Heráclito.

É, mãe, a idade não me tornou a filha perfeita que você queria, né? Eu sei. Mas, tenha certeza de uma coisa: em mim, a idade fez o contrário (na verdade fazer o contrário que a senhora é um hábito arraigado, desculpa)... 
A idade tá te tornando, aos meus olhos, na mulher mais guerreira e mais forte que eu conheci em toda a minha vida. E olha que eu sei da história de algumas...

A foto é de um dia desses aí, quando ela veio me visitar... rs
Mas, a guerra de uma professora, esposa, mãe, formada e pós-graduada, que me ensinou a amar a profissão e estar atenta ao mundo que nos ameaça desde muito tempo, Ah, mãinha! Essa, os livros não contam e, se eu não escrever aqui, talvez até eu se esqueça enquanto a idade passar e talvez o contrário resolva me contrariar...

Amor hoje, amor sempre, amor acima de todas as nossas broncas. Ah, minha pequena tão grande, meu Deus!


* Esse texto foi publicado (e alterado muitas vezes) no Facebook. Eu achei que aqui, bem, é um lugar mais seguro de guardar do que em qualquer rede social.

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