quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Um conto.

Ela só não queria machucar alguém...

Não, não queria. Suzana não pretendia ferir ninguém, fazer ninguém sofrer. Ela sempre carregou seus demônios sozinha. E ela com eles que ela pretendia voar; ali e agora, do parapeito de sua janela.
Desde menina, sofria de uma carência de afeto. O pai nunca estava por perto; a mãe era prática demais para extremos de carinho, para perder tempo com manhas. Ela dava amor, mas um amor material; e não era isso que a menina-criança queria.
Ela carecia de atenção, de perder tempo, de amor...
Desde menina foi solitária. Solidão oriunda da certeza de que não era boa, bonita e inteligente o suficiente para ter a amizade de alguém. Sabia disso porque lhe diziam, porque ela o sentia lá no fundo de si.
Todos eram algozes, todos eram modelos. E ela era cada vez mais nos cantos, triste, só.
Ela tinha alguns momentos felizes, por certo. Mas eram momentos curtos. E Suzana assim o sabia; tinha consigo a teoria do rito da mudança; que a felicidade nunca seria eterna (aliás, o eterno não existe) e que, mais dia, menos dia; alguma coisa ia fazer o catavento de sua vida girar, sem rumo...
Quando descobriu o amor pelo sexo oposto, descobriu junto que nada era um mar de rosas perfumosas. Havia a dor de não ser correspondida, o desespero de ser tola, o medo de correr atrás...havia também a rejeição, a efemeridade, a mágoa.Muitas lágrimas derramara por notar que fulano era muito superior pra olhar pra uma coisinha feito ela; quanto esforço empregara por beltrano, que gostava de sua melhor amiga; quanto tempo gastara buscando quem não prestava...
Era o tempo de fugir de si, de buscar novas experiências. E fugia, e se deixava levar por momentos, por coisas de momento. Mas não era ela. Ela queria muito mais...

Um dia, o amor surgiu, como num passe de mágica. Pouco tempo custou, do primeiro papo ao primeiro beijo. E menos tempo anda, até que ele a pedisse em namoro.
Ela demorou a se entregar...mas ele era doce, sincero, delicado, compreensivo; e ela não deixou de se apaixonar perdidamente. Mas seus demônios ainda a acompanhavam...e ele não ajudava; chegando atrasado, preferindo os amigos à ela, dando a ela pouco tempo.
Mas ela não desistia: ia atrás dele...Buscava conhecer o mundo dele, e se esquecia do seu.

Um dia, ela olhou pra trás. Quis voltar pro seu mundo. Ele a entendeu. Eles reafirmaram seu amor, ela passou a ser "ela", mas ainda assim dele.
Quando voltou, sentiu os velhos demônios a atormentá-la, mostrando o quão distante ela estava, que ela jamais iria voltar a ele. Seria uma exilada, sempre.
Mas um alguém entrou na sua vida...e ela encontrou uma razão para que o seu mundo voltasse a valer a pena.
Esse alguém era tudo o que era ela, mas com uma diferença: tinha complexidades que ela não tinha. Odiava a vida, era mais exilado que ela.
E viraram amigos. Falavam de tudo, das tolices à coisas pessoais.

Ela não entendera as pontadas, os tremores, as agitações diante dele. Não se dera conta de suas investidas não-planejadas nem conscientes. Nem do que os outros falavam. Era seu melhor amigo...até o momento em que ele a beijou.
Ali, ela descobriu que nunca mais seria a mesma.

Numa encruzilhada de sentimentos, ela se viu dividida. Quem escolher? Enquanto tentava negar-se ao outrora amigo, não consiguia se afastar dele. E ao namorado, sofria, mas não lhe negava seu amor.
Enquanto isso, seus demônios latejavam...ardiam...sangravam-a inteira...

Ela teve que fazer uma escolha.
Ela teve que se negar, por maior que fosse a vontade de se entregar.
Ela teve medo de vê-lo morrer por causa dela.

Suzana resolveu decidir...decidiu que os demônios iriam com ela na sua viagem sem volta...que eles seriam cúmplices da sua queda. E quem iria chorar a morte dela? Ela, tão insignificante, tão pequena, tão tola...

Pois não podia mais ser de nenhum dos dois.




E Suzana voou...
Um momento suspenso no tempo.
Um som brusco invadiu a mmadrugada fria.
Suzana e seus demônios finalmente se encontraram...

Um comentário:

Anônimo disse...

Suzana pode até ser insignificante, mas vc não é!

Lindo conto. Bem "contado". hehehehehehe

Será que você também aguenta esse aqui?

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