Já falei de Marcos Rey duas vezes, até a presente data: No livro "Doze Horas de Terror" e "Enigma na Televisão", respectivamente o primeiro e o quarto livro desta série. Eu tento, mas é impossível não se associar ao nome e à extensa obra por ele lançada na série Vaga-lume.
Então, vai ter muita coisa dele favoritada... Aviso.
Bom, mas para hoje, convido-os para uma corrida audaciosa. Do centro de São Paulo para as favelas próximas ao Marginal, literalmente uma corrida pela sobrevivência...
1ª capa do livro. |
Duas histórias são contadas.
De um lado, a vida dura de Elaine, uma linda jovem suburbana que mora com a sua avó, Dona Selma, com dificuldades financeiras e vivendo uma relação de amor com Vítor, um jovem apaixonado e idealista.
Do outro, o roubo do valioso diamante Capitain Silver. Seus assaltantes - Bóris, Duque e Lena - planejam vender a joia a um receptador e dividir entre eles uma grande fortuna, ainda que nenhum confie integralmente no outro.
O que une as duas histórias? A boneca Maitê, descrita como "uma boneca loira, muito chique, exatamente do tipo que aparecia na tevê em todos os intervalos comerciais — “Peça sua Maitê ao papai”, — verdadeiro sucesso nas lojas naquele dezembro." (página 9)
O destino une Elaine e Lena, fazendo com que a boneca Maitê caísse nos braços da primeira. Perder uma boneca daquele nível, "disputada, sofisticada", pra qualquer garota seria uma questão de honra ter. Logo, não era anormal pensar que a moça voltaria e pegasse a boneca... Como aconteceu.
Mas, o que três bandidos perto de ficar ricos iriam se interessar por uma boneca? Porque o Capitain Silver está dentro dela, pronto falei.
Mas, por uma briga com o namorado, Elaine deu a boneca a Gabi, menina que estava naquele momento se mudando para a favela.
Por conta disso, eles (Elaine, Vítor e os bandidos) vão fazer uma "corrida" pela periferia de São Paulo. Cem mil dólares fariam a diferença para a vida de avó e neta; quinhentos mil seriam divididos entre os ladrões, onde cada um contava com a grana para sair da vida de crimes - valores insignificantes para quem estava acima deles, mas que poderia custar a própria vida.
O que é massa nesta história? Embora eu tenha dado um 'spoiler' (que não vai ser a coisa que vai ser descoberta logo), o que mais foca dentro da história é o recorte do cotidiano. Marcos Rey analisa muita coisa ao mesmo tempo dentro deste livro.
A vida de famílas pobres e seu cotidiano - Selma era uma viúva que recebia apenas uma pensão e se virava para continuar vivendo bem, a família de Gabi teve que se mudar para a favela a fim de conseguir sobreviver são os exemplos - bem realistas para quem sofreu com a inflação em alta no começo dos anos 1990.
Também cruza com os bandidos juvenis, como o Zizo, que rouba a Maitê para arrumar dinheiro para ajudar em casa; com a relação conflituosa entre as primas Lena e Priscila, costureira pobre que tenta ainda mudar o pensamento da ladra...
Até mesmo o modo como a favela atinge os personagens, como quem mora lá se sente indefeso diante da violência, como em um trecho vivido por Zizo e sua mãe, após sofrerem um momento tenso com Bóris:
"— Deixou marcas no meu braço — constatou a mãe de Zizo.
— Imagine o que acontecerá àqueles dois quando encontrarem eles no orfanato.
— Nem quero pensar — disse ela.
— Acha que devemos avisar a polícia?
A mãe de Zizo pensou apenas alguns momentos. — Não, filho. A polícia também não gosta de nós. Estamos no meio dela e dos bandidos. Bem no meio..."
(página 85)
"A vice-presidenta, entrando com o novo embrulho, estacou diante da montanha de doações. Naquele ano o número de presentes aumentara, apesar da crise. Dava gosto ver aquele mundo de pacotes! Apesar de tantas dificuldades para manter as órfãs, teriam uma bela festa de Natal.
A presidenta aproximou-se.
— A meninada só está falando da Maitê.
— O que é a propaganda! Temos outras até mais bonitas.
— Mas elas só acreditam no que diz a televisão.
A vice começou a abrir um buraco na montanha.
— Deixo aqui?
— Mais no fundo ainda, Rute.
A vice aprofundou o buraco.
— A Maitê vai ficar na base da montanha.
— Ótimo. Aí está bem. Agora são todas Maitês."
(página 81)
Enfim, há motivos o suficiente para pegar este livro e fazer um agradável uso de duas horas com ele. ;)
Tem como ler agora? Para relembrar bem esta história, consegui sim achar este livro - aliás, esse acabou por virar requisito necessário desta seção, poder disponibilizar as obras - neste link. Aproveitem!
E, terça que vem, voltamos com mais uma obra da série. Inté!
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